respondendo se um robô faria meu trabalho
ninguém faria o meu trabalho. eu mesma já não faço
Por que você usa o Tiktok? Ou melhor, pra que você usa? Será que a sua resposta difere muito da minha? Como boa cientista social, essa semana eu entrevistei dois amigos meus, aleatoriamente selecionados, sobre qual tipo de conteúdo eles acompanham.
Analisando os dados, nós vemos que mais ou menos metade da população curte unha encravada. Não é o meu caso. Eu tenho HORROR a gente filmando unha, furúnculo, espinha, joanete. Uma vez eu peguei micose no dedão do pé tomando banho na academia (modéstia à parte) e minha unha MOFOU. Saiu inteirinha, ficou só o dedão parecendo o Caillou. Passei três meses sem olhar pra baixo.
Devido a esse trauma, e também a uma indisposição geral com qualquer coisa nova que apareça, eu demorei pra aderir ao TikTok. Mané doutora Pimple Popper o caralho!! Me erra!!! Foi só durante as férias que eu instalei o app e descobri seu verdadeiro propósito: inventar novos tipos de pessoa.
Os ultramaratonistas do Tiktok postam vídeo narrando 150km de corrida. Esse aí da esquerda passou tanta fome lá pelo quilômetro 70 que começou a alucinar pesado. Disse que toda planta em volta dele formava frases com as folhas. E ele continua correndo! Correndo e alucinando! Vendo clarão de luz no meio da noite! Você conhece alguém assim? Nem eu. Só pode ser um tipo completamente novo de pessoa.
Já essa mulher DESCALÇA na Renner diz que ultimamente não tem usado “feet prisons” (prisão de pé), que é o termo dela pra sapato. Feet Prison. E ela solta na maior naturalidade, como se tivesse na boca do povo mesmo, em vez de ser um conceito articulado pelo próprio demônio. Um dos comentários nesse vídeo é uma outra mulher avisando que tem muito parasita por aí que entra no seu corpo pela sola do pé. “Mas boa sorte!”
Os vídeos de criança também são ótimos. Tem um pai (não lembro o perfil! Perdão!! Me perdoe!!!) que cria o filho desde neném conversando como se ele fosse adulto mesmo, sem tatibitate. Aí agora virou um bebê de um ano e meio com a desenvoltura social de trinta e dois. Paternidade é ciência também! Esse aqui tem uma abordagem mais paizão mesmo, de acordar cedo e fazer café da manhã pras filhas. Em um dos vídeos, dá pra ver ele deixando a criança em cima da bancada enquanto cozinha e ela rolando pra longe igual uma bola de bilhar.
Sem falar nos vídeos de colecionador de arma, que é sempre um Republicano qualquer com sessenta rifle na parede da garagem. Aí mostra ele brincando de caçador na floresta, atirando em latinha no quintal. É o hobby dele. Tudo bem… mas pra quê SESSENTA? Algum outro hobby funciona assim? Tem algum tenista amador por aí com sessenta raquete em casa?
Chegou ao ponto de eu pisar em ovos no Tiktok pra não bagunçar o algoritmo. Se o vídeo for só uma pessoa normal fazendo piada eu nem assisto. Dancinha? Passo correndo. Daí quando aparece alguém que só come carne crua o dia inteiro e tá visivelmente perdendo a função dos rins, eu já salvo na minha pasta de Maluco. Ah, o sanduíche do moleque é um testículo no lugar do pão, recheado com um tablete inteiro de manteiga? Manda pra cá!
Infelizmente, nenhum algoritmo é perfeito. Hoje mesmo, no processo de escrever esse texto, eu esbarrei num vídeo de um maratonista mostrando como fica o pé dele depois de correr 150km. E eu não percebi de primeira o que tava acontecendo simplesmente porque nem parecia um pé na imagem. Dois dedos tavam enfaixados e um tinha uma bolha tão grande que parecia um seio. Aí ele enfia um alfinete na bolha e ela explode. Talvez não existam novos tipos de pessoa… talvez a hegemonia cultural da dra. Pimple Popper seja inescapável.
respostas
Falando em inescapável, vamos às perguntas deixadas por VOCÊS no telegram!
Oi Laurinha, aqui é a Giselinha. Você que venceu a depressão, conta pra gente como vc conseguiu fazer isso? Às vezes eu acho que tá todo mundo doente e é isso aí, vai ficar assim mesmo. (G. R.)
LONGE de mim zicar a vibe falando que eu venci alguma coisa. Tá maluca? Pois EU não estou. Vou é ficar na minha. Até porque eu venho desenvolvendo um certo carinho com a questão da doença mental… um certo apego!
Esses dias eu li — como me é de costume… — um negócio sobre Cláudio Galeno, um médico romano do século 2. Século DOIS mesmo, Roma antiga, quase dois mil anos atrás. E nas anotações do Galeno ele comenta os problemas de saúde dos romanos, que são mais ou menos o que a gente espera (varíola, estresse, briga na sauna) e uns que a gente não espera, tipo ansiedade. Ele conta de um paciente que entrou em crise de tanta preocupação, teve pensamento suicida e tudo… e a preocupação do cara era o gigante Atlas um dia cansar de segurar o Céu e derrubar ele na Terra.
Olha que coisa bonita… que longa tradição de maluco veio antes da gente. Não deixa de ser uma honra participar dessa história. E os neurotípicos que se mordam!
Oi Laurinha, tudo bom? Você como também é streamer profissional de games, pode indicar os seus jogos preferidos? (C. I.)
Preferido é uma palavra tão forte. Vamo pensar melhor isso aí. Posso só indicar um que eu gosto? Tirar a pressão? Me permites?
Eu ando muito numa fase de puzzle, quebra-cabeça, jogo chato de filho da puta que gosta de sofrer no tempo livre. Baba is You é bom demais pra passar raiva. Parei lá pela décima fase e nunca mais joguei. Recomendo! Return of the Obra Dinn é a experiência imersiva que faltava nas revistinhas de lógica Coquetel. Você entra num navio fantasma e tem que deduzir com lógica e fatos quem matou e quem morreu. Mas o mais recente que eu joguei e gostei foi esse aqui:
The Pedestrian tá ali entre um Portal (só que 2D) e uma aula de eletricidade básica do SENAI. Dá pra zerar num fim de semana tranquilo, sozinho, sem estresse, ou a dois com a pessoa amada dando pitaco no teu ouvido. É ótimo? Não! Mas é bom. E às vezes ser bom é ainda melhor…
Pra quem não curte puzzle, eu ando jogando muito Yakuza: Like a Dragon, mas desse eu falo melhor quando zerar. A qualquer momento!
Laurinha, boa tarde. Viu que tão falando que a inteligência artificial chegou pra tirar o emprego do escritor? Agora que você é escritora, qual é a sua posição sobre isso? Tá com medo? Abs de Ponta Grossa! (B.)
Tou acompanhando essa história sim. Negócio de automatizar livro né. Achei bacana. Finalmente alguém resolveu o grande problema da Literatura no século 21, que era muita gente querendo ler e pouco livro no mercado. Tendo dito isso, parece que o ChatGPT veio mesmo foi pra ameaçar o publicitário.
A grande desvantagem do publicitário em relação à inteligência artificial é que a publicidade nunca passou por humana. Até a campanha mais bem feita dá aquela estranheza, um incômodo, um frio na espinha. Betty Faria promovendo site de aposta? Monja Coen vendendo Skol? De certa forma, quem trabalhou com publicidade até agora tava só esquentando o banco pro robô chegar.
E não é só o redator no olho da rua. Quem trabalha com SEO se fudeu também. Pra quem não sabe — e dê graças a Deus de não saber! —, Search Engine Optimization é a arte de fazer um site aparecer no Google. Se eu tenho uma loja de geladeira, e eu quero que essa loja seja o primeiro resultado quando alguém busca melhor geladeira 2023, é o especialista em SEO que faz um pacto com o demônio pra me ajudar. Ele escreve um texto longo, usando discretamente a expressão melhor geladeira 2023 várias vezes, e o burro do Google lê, acha relevante e joga lá em cima.
Por isso que procurar no Google como resolver tal problema ficou inviável de uns anos pra cá. Cê pergunta como desentupir o ralo da pia e o texto começa: QUEM NUNCA ENTUPIU O RALO DA PIA? SEJA POR DESCUIDO, TEMPO DE USO OU ATÉ MESMO ERRO DO FABRICANTE, TODOS NÓS PRECISAMOS DESENTUPIR O RALO DA PIA EM ALGUM MOMENTO. CONHEÇA AGORA AS MELHORES MANEIRAS DE DESENTUPIR O RALO DA PIA EM CASA 2023 SEM GASTAR NADA. Parece que alguém jogou água no texto pra fazer render.
Esse é o tipo de coisa que o ChatGPT nasceu pra escrever. Tem até um quê de poesia nisso. O Zizek gosta de contar uma piada sobre como seria o primeiro encontro ideal, pra ele, hoje em dia: ele conhece uma mulher, chama ela pra casa. Ela traz um vibrador, ele tira da gaveta uma daquelas bucetas de plástico. Plugam uma coisa na outra e as máquinas transam por eles.
Enquanto isso, os dois podem se conhecer melhor. Tomar chá, falar de filme. E se a mão dele esbarrar na dela enquanto eles tomam chá, e uma coisa levar a outra e eles forem pra cama, o sexo não vai ser aquele sexo angustiado de mostrar serviço, focar em desempenho. As máquinas já tão ali no fundo cuidando disso pra eles.
De certa forma, não deixa de ser ideal o robôzinho leitor do Google ser o público-alvo do robôzinho escritor do site. Publicidade tem mesmo que virar um texto que ninguém lê e ninguém escreveu. Agora que as máquinas cuidam disso, só resta mesmo escrever o que interessa.
Esta newsletter foi produzida sem se apoiar em inteligência artificial ou humana. Patrocine sua escritora local!
Laurinha abre um onl*fans com sua voz lendo seus textos
Laurinha, agora que vc terceirizou o trabalho de locução pra cabeça do leitor e tá com tempo de sobra, lança uns TikTok pra gente aí